terça-feira, 27 de agosto de 2013

Em defesa da novela das nove / Vamos falar mais de responsabilidades individuais? Vamoooos!

A coisa neste blog funciona assim: quando muita gente está compartilhando uma idéia de que eu discordo, mas não conseguiria contra-argumentar com poucas palavras, eu uso o meu próprio espaço. Até queria escrever com mais freqüência, mas por enquanto isso é tudo o que eu posso fazer.
    A mania da vez é esculhambar a novela das nove no facebook. Estão dizendo que ensina as pessoas a fazer o que não presta, que é uma armadilha de Satanás para corromper as boas famílias brasileiras, e aquela coisa toda. Não só acredito que os que pensam assim estão errados, como também acredito que apóiam seus argumentos em idéias perigosas.
    Para os que odeiam novelas e estão desinformados (porque o conjunto dos que odeiam e o conjunto dos que estão por dentro, surpreendentemente, se interseccionam), eu explico a trama que mais apanha: Uma mulher se oferece para ajudar um casal de amigos gays como barriga de aluguel. A inseminação não dá certo depois de várias tentativas, e ela resolve tentar o método tradicional com um deles, que é bissexual. Parece que vai se envolver emocionalmente, criando uma situação tão inusitada que eu espero acompanhar a estória até o fim para ver no que é que vai dar. Que pena que em vez de apreciar uma trama original, coisa raríssima ultimamente, as pessoas reclamem dos personagens sem caráter!
    Existem mesmo coisas imorais na novela. É importante dizer que a criação de uma criança por um casal gay ou por um trio amoroso ainda está na categoria da experimentação, já que ninguém tem certeza dos efeitos psicológicos que isso traria a ela. Submeter a criação de uma pessoa a experimentações é coisa do nível de Pablo Capilé. Também é terrível que uma mãe não tenha o direito de se relacionar com o filho que gerou e a quem se afeiçoou. Acredito que a personagem vá sofrer um bocado quando tiver que se separar dele.
    Mas por que condenar a novela?! Por que condenar o autor que escreveu uma ficção e se valeu de personagens imorais? Alguém conhece uma única estória boa que não tenha gente fazendo coisa errada?
    O que dizem é que o “povo sem educação” pode aprender a fazer coisa errada quando ouve estórias de gente fazendo coisa errada. Bem, eu me ofendo quando sugerem que eu posso me tornar uma pessoa menos correta ao assistir uma novela na televisão.  Se alguém se acha tão infuenciável, eu recomendo que só leia estorinhas infantis. Ou talvez nem isso, já que pode se inspirar em certos personagens e criar apetite por velhinhas indefesas...     Talvez devesse se restringir aos salmos da Bíblia. Melhor não: há alguns que mencionam bebês sendo esmagados contra a pedra!
    Fazendo esforço para ser mais compreensivo, eu entendo a irritação com obras que tratam atitudes condenáveis como se fossem corretas, ou até belas (este nem sempre é o caso da novela das nove). Mas eu insisto que os espectadores têm o discernimento necessário para julgar o que veem. É relativamente fácil saber o que é certo e o que é errado. O difícil é escolher o certo! Se um humano peca, é muito mais por decisão individual do que por erro de interpretação!
    A ideia de que as pessoas são suscetíveis demais, essa sim deveria ser associada a Satã, porque não dá a ênfase devida às responsabilidades dos indivíduos. Trata as pessoas como seres com pouca ou nenhuma capacidade de escolha, que não têm alternativa de fazer a coisa certa se a coisa errada estiver em moda.
    Vocês viram o que foi dito sobre o caso Pesseghini? Deixou-se de considerar o crime como individual e pôs-se culpa nos videogames, na sociedade da violência, e blablablá. Diluiu-se a responsabilidade sobre o ato bárbaro que o rapaz cometeu e procurou-se um bode expiatório genérico. 
    Culpar os videogames pelo assassinato que uma pessoa cometeu ou a Globo pelos casais que têm problemas de relacionamento é ignorar que a culpa pelos crimes e pecados é individual e intransferível. Essa ideia só pode ser coisa do demônio.

Sobre o aborto
    É verdade que alguns valores das pessoas sem religião são totalmente opostos aos de nós cristãos. Essa mesma novela das nove fez outro dia propaganda favorável ao aborto. Como todas as cenas que querem ensinar alguma coisa, essa foi sofrível. Usou até dados mentirosos para justificar a sua tese. Mas em casos como esse é muito melhor nós aproveitarmos que a questão está em evidência para discutir os valores do que recomendar às pessoas que parem de ouvir isso ou aquilo. A melhor solução nunca passa pela censura, mas pelo diálogo, com a confiança de que as pessoas são inteligentes e têm capacidade de escolha.

Uma recomendação
    O cinema anda incrivelmente chato. Já é a trigésima vez que se faz uma releitura do Super-homem, e a coisa é tão pouco original que se dá muita relevância até à novidade de que ele não usa mais aquela cueca vermelha. Sabem onde estão a criatividade e a originalidade? Na TV, em especial nas séries americanas. Para quem gosta de uma trama inteligente e sabe que não vai se deixar levar por personagens de ficção fazendo coisa errada, minha recomendação é Breaking Bad, da AMC. É a estória de um homem correto e bom pai de família que fica com câncer, faz escolhas erradas e acaba se tornando um de-mô-nio. O episódio do último domingo me fez estremecer com o que o protagonista Walter White foi capaz. Eu me diverti muito, e não me tornei nem um pouquinho menos moral.

terça-feira, 18 de junho de 2013

Esses protestozinhos não me convencem / Muita coisa tem que mudar, e uma delas é o interesse exagerado do povo por essa brincadeira chamada futebol / Vocês se indignam com o governo? Eu me indigno com quem nunca percebe a própria culpa

    Enquanto acontecem em Fortaleza protestos que mudarão para sempre a face da cidade [atenção – ironia detectada], quatro estudantes cearenses se preparam para a 45ª Olimpíada Internacional de Química, que ocorre em Julho, em Moscou. Química, para quem não sabe, é uma das áreas do conhecimento indispensáveis para que a humanidade conseguisse aumentar a sua expectativa de vida em 20 anos no último meio século. Pois bem: aqueles jovens cearenses estão, dentro da sua faixa etária, entre as pessoas que mais sabem Química na superfície do planeta (!).
    E, no entanto, ninguém vai ficar sabendo desses estudantes.
    Eles não vão aparecer no Jornal Nacional.
    Eles não vão pedir música no Fantástico.
    E aqui talvez eu tenha conseguido conduzir o leitor a um ponto, fazendo-o pensar “É que a mídia no Brasil é terrível, não dá valor a quem realmente devia ser valorizado...”. Talvez o leitor tenha sido treinado para encontrar imediatamente um culpado sem nunca pensar que parte do problema se encontra nele próprio. Ora, a “mídia” só mostra o que interessa às pessoas, e a verdade é que o leitor está pouco se lixando para quem sabe Química ou para quem deixa de saber. Eu duvido que o leitor saiba enumerar 05 (cinco) cientistas brasileiros importantes – e eles existem! Não sabe. E não sabe porque não tem interesse, já que informação está na Internet para quem quiser ver.
    O interesse do povo é em futebol. Eu mesmo poderia enumerar muito mais que cinco jogadores de futebol, eu que nunca entendi por que exatamente a habilidade de controlar um bola com os pés é particularmente interessante.
    Por que estou dizendo tudo isso e comparando as coisas dessa maneira? Porque parece que uma das insatisfações dos manifestantes que vão às ruas é os gastos com a Copa do Mundo, porque “a educação devia ser prioridade”, e coisa e tal. Ora, mas é a coisa mais natural do mundo que o país em que as pessoas idolatram pessoas-que-manobram-bem-objetos-esféricos-com-os-pés seja a sede de uma Copa do Mundo. Ninguém chiou quando soube que o evento seria realizado aqui, mesmo sabendo dos gastos gigantescos e mesmo sabendo que a educação e a saúde no País estiveram desde sempre em estado de calamidade.
    Muita gente tem comemorado que o povo finalmente teria percebido como o Governo gasta mal o dinheiro público. Mas isso não me comove tanto. O que eu gostaria mesmo era de ver as pessoas compreendendo que a sua sede por circo é metade do problema.

Algumas palavras sobre a Copa
Não, eu não sou contra a realização da Copa no Brasil. Porque eu reconheço como algo que o povo quis – e se não quisesse teria protestado antes. Até penso em assistir a algum jogo. Eu amo tanto o meu país (e falo sério mesmo) que gosto muito de vê-lo ganhar qualquer vantagem, mesmo que seja uma brincadeirinha num estádio superfaturado.

Algumas palavras sobre as manifestações

Estou falando de Fortaleza porque o movimento das outras cidades eu só conheço pelos jornais. Mas por aqui parece que ninguém sabe ao certo contra o quê está protestando afinal. No Facebook se espalham convites sugerindo que qualquer causa é boa o suficiente, o importante é se envolver. Talvez um único pensamento seja comum à maioria dos manifestantes: o pensamento de que se pode desrespeitar a lei e o direito de ir e vir das pessoas se a causa for boa o bastante. É mais um sintoma daquilo que tem me indignado, o talento que os cidadãos brasileiros têm de nunca chamarem a responsabilidade para si.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Uma broca redonda cria um buraco redondo na parede, e uma broca quadrada... também! Que broca criaria um buraco quadrado na parede?

   Se ainda não entendeu a questão geométrica, repare a animação que eu fiz quando conhecia bem o significado da expressão "tempo livre":

   Fica claro que um triângulo, um pentágono ou qualquer polígono convexo cria um círculo quando gira em torno do seu centro. Haverá alguma forma que crie um quadrado quando gira?
   Sim!
   Há várias, sendo a mais conhecida delas o triângulo de Reuleaux, chamado assim por causa do seu descobridor Franz Reuleaux, um engenheiro alemão. Eis um triângulo de Reuleaux criando um furo quadrado:

    Se você ficou se perguntando como seria assistir a um triângulo de Reuleaux se movendo enquanto ouve a música Ameno, do projeto musical Era, pode clicar aqui para ouvir a música e voltar para essa página para assistir a animação novamente.
    Você já deve ter usado um lápis fabricado de acordo com esse formato. É o meu formato para lápis preferido e facilmente eu explico: um lápis cilíndrico é confortável, mas vive rolando da carteira; o lápis hexagonal é o segundo mais comum, porque aproveita bem o espaço quando guardado na embalagem [veja Abelhas sabem Cálculo Diferencial], mas suas arestas angulosas o tornam desconfortável. O meu lápis preferido não rola na carteira, não é desconfortável e não desperdiça espaço. Além disso, adere bem à mão e cria oportunidades para conversas interessantes:
    - Que lápis legal! Onde você comprou? 
    - Não lembro e não me importo. Mas você sabia que esse formato é o triângulo de Reuleaux, batizado em nome de um engenheiro alemão?...
   Com uma leve adaptação, o triângulo de Reuleaux se torna a forma perfeita para um rotor em um motor Wankel, um motor de combustão rotativo que dispensa o uso de pistões tradicionais. 




    Outras aplicações do triângulo de Reuleaux incluem as rodas de uma bicicleta para hipsters e uma moeda da Botsuana. 
    Para terminar, mais um enigma geométrico: você sabe qual a figura em que uma ampliação tem o mesmo efeito de uma rotação? O círculo você sabe que não é: sobre um círculo a rotação não tem efeito algum, mas a ampliação o torna maior (!). Pois a figura a que me refiro pode ser girada ou ampliada, que dá no mesmo. É tema para outro post.



terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Quando a nossa homofobia atrapalha nossa pregação / Um padre falou e os evangélicos aplaudiram / Por que 1Co 6.10 é um versículo ruim

     Nunca tinha visto tantos crentes comentando de forma tão positiva as palavras de um padre como quando aquele sacerdote católico que vocês viram no Youtube teve a “ousadia” de dizer que homossexualismo é pecado e os gays vão todos pro inferno. Um amigo meu postou no Facebook o vídeo e alguém comentou: “Meu Deus! Um padre convertido!”




     Vejam só: a comentarista deduziu que o padre podia ser considerado evangélico só porque ele disse que os gays vão para o inferno. É que nós evangélicos somos frequentemente mais conhecidos pela nossa homofobia (e já eu explico porque estou usando esse termo) do que por um discurso claro do Evangelho, e isso é muito ruim. É ruim para nós e é pior ainda para o Evangelho.
     Deixe-me dar um exemplo para ilustrar meu ponto: Agenor, caso real mas nome fictício, se sente muito à vontade para falar mal dos gays na frente de sua família evangélica. Agenor não é crente, mas acredita que descobrindo um “inimigo em comum” pode ganhar alguma aprovação entre os evangélicos. Sabe-se que Agenor tem uma vida sexual agitadíssima; conta-se que usa drogas leves. E Agenor se sente perfeitamente apto para julgar e condenar os homossexuais, dizendo que tem nojo deles e entende a ordenança levítica do apedrejamento.
      Tendo convivido bastante com evangélicos, Agenor deveria saber que perante Deus não está numa posição melhor do que qualquer bicha louca. Se ele ainda não entendeu isso, é porque os crentes que conhece estão falhando miseravelmente na missão de pregar o Evangelho a ele, se é que já tentaram.
       Recapitulando: o Evangelho diz que todos – todos! - carecemos da glória de Deus. Temos uma dívida para com Ele. Também diz, e nisso é compatível com o senso comum, que os nossos méritos não anulam os nossos pecados, do mesmo modo que uma boa ação não pode compensar um crime. Ainda que tenhamos um estoque infinito de heterossexualidade, nós precisamos de perdão. Entendeu, Agenor?
       A homofobia de nós evangélicos consiste em que não tratamos os gays como a todos os outros pecadores. Para nós eles constituem uma espécie à parte de pecadores. Nós fazemos toda a questão de dizer por aí que homossexualismo é pecado, é pecado, é pecado, e nenhuma de dizer que maledicência também é. Se um padre falasse contra a maledicência, ou a ira, ou a falta de perdão, nós não compartilharíamos no Facebook e não o confundiríamos com um evangélico.
        Outro dia recebi um folheto de uma igreja batista que resolveu evangelizar com um versículo ruim: 1 Coríntios 6.10, que é uma pequeno rol de quem não entra no reino dos céus. Esse versículo é ruim para a Evangelização porque pode dar a impressão de que quem não se enquadra na lista negra está muito bem, obrigado. Acontece que a lista não é exaustiva e muita gente não se encontra em nenhuma daquelas categorias mas ainda assim está perdida. Toda pessoa (eu, você, Agenor e Padre Augusto) carece da glória de Deus e se não for graciosamente perdoada, estará separada dEle no outro mundo. Essa é a mensagem clara do Evangelho, que a Igreja insiste em obscurecer com sua mania de atormentar mais os pecadores que julga piores.

sábado, 17 de novembro de 2012

Os quatro temperamentos segundo Hipócrates

   Uma palavra basta para descrever 90% da minha personalidade. Alguns traços psicológicos andam sempre juntos e pessoas mais temperamentais como eu pertencem a um dentre quatro categorias de personalidade: Fleumático, Sanguíneo, Melancólico e Colérico. 
   Quem criou esse sistema de classificação foi o filósofo Hipócrates, baseando-se numas ideias gregas sobre quatro elementos e quatro fluidos corporais. Essa página da Wikipédia tem informações interessantes sobre a influência do pensamento hipocrático (hipocrático, e não hipócrita) na Psicologia. Neste blog você encontra as principais características dos temperamentos para descobrir o seu. Pode escolher dois deles, um principal e um secundário, mas se tiver que escolher um terceiro você deve ser uma pessoa chata ;-)



quarta-feira, 17 de outubro de 2012

10% do PIB para a educação? Sou contra! Ou: A principal culpa de a educação estar essa porcaria é de vocês, professores! Ou ainda: o professor é o novo gay


A Câmara dos Deputados acabou de aprovar um plano que prevê a aplicação de 10% do PIB na educação, até o ano de 2020. O projeto deve seguir para o Senado. É claro que essa loucura não vai ser aprovada. Se fosse, quebraria o Estado, como disse o ministro Guido Mantega. Mas eu aproveito o momento para dizer que ainda que fosse viável aumentar tanto os investimentos em Educação, não seria desejável se o principal plano fosse aumentar o salário dos professores da rede pública. De maneira mais prática, eu quero dizer que os professores não estão merecendo salários melhores porque de maneira geral estão fugindo de suas responsabilidades.

Até pouco tempo eu defendia com todas as forças que os professores deveriam ganhar o máximo possível, ou a educação nunca melhoraria. Mas eu sou do tipo que se deixa convencer pelos fatos, e os fatos são que desde 1995 o salário deles quintuplicou e a melhoria na qualidade da Educação foi praticamente zero. O pior é que parece cada vez mais politicamente incorreto criticar os professores públicos. Parece até que eles pretendem formar uma daquelas categorias que nunca se pode censurar. Agora já são duas: a dos gays e a dos professores.

Quer dizer que a educação é um fiasco e os professores não têm nada a ver com isso? O salário dos professores quintuplica, a educação continua um fiasco, e os professores não têm nada a ver com isso? Não podem ser responsabilizados? Ora bolas!

Quando era governador do estado de São Paulo, José Serra criou um programa de promoção de professores por mérito e qualificação. O que fez o sindicado dos professores do Estado? Foi à greve. (Aliás, professor adora uma boa greve, não?). Livros chegaram a ser queimados em praça pública. Tudo porque os professores não aceitavam que colegas mais competentes recebessem mais. Sobretudo, não aceitavam ser avaliados. Ora, não há dúvida alguma: um professor não aceita ser avaliado porque é um professor incompetente. Se o professor se esconde na escuridão, é que ele ama mais as trevas do que a luz porque suas obras são más.

Conheço muitos professores, alguns bem jovens, que caíram num triste estado de malemolência. Faz tempo que não se preocupam mais com a qualidade do serviço que oferecem. Se os alunos não fazem questão de aprender, pregam eles, não vale à pena fazer questão de ensinar. Há uma multidão gigantesca de educadores que adotam essa filosofia de ofício. Pois a Educação no País está entregue nas mãos desta gente, e aumentar o seu salário dez vezes não vai mudar em nada a situação.

O que nossos educadores precisam fazer urgentemente é mudar a postura e assumir que a culpa pelo desinteresse dos alunos também é sua. Isso mesmo! Os professores precisam se convencer de que uma de suas atribuições é precisamente estimular os seus alunos a aprender. Aliás, eu acredito que um professor que apresenta sua matéria de maneira desinteressante faz um estrago muito maior do que aquele que peca apenas por falta de conhecimento. A aversão a determinada matéria é muito mais difícil de corrigir do que meia dúzia de conceitos equivocados.

Acabo de ler na Revista Escola o seguinte depoimento de um professor de matemática: “O bom professor é tão apaixonado por Matemática que consegue fazer com que os alunos se apaixonem também.” É isso aí. Bons professores conquistam os seus alunos para o que têm a ensinar. É claro que isso não é fácil, mas é um ideal a ser perseguido. Enquanto os educadores não chamarem para si a responsabilidade de despertar em seus alunos a vontade de aprender, a educação não vai melhorar uma gota, ainda que o Brasil venda a Amazônia para arrecadar dinheiro para o Ensino.

Os políticos se pelam de medo de fazer isso, mas não há outra saída que não a implementação de um sistema que avalie constantemente os professores. Um sistema que recompense o mérito e puna a incompetência. Estão recebendo dinheiro do contribuinte? Pois têm que mostrar serviço de qualidade. Têm que se especializar, têm que estudar. Não sabem a matéria que se propõem a ensinar? Pois que vão embalar produtos no mercado - é um trabalho honesto e necessário. Não sabem passar adiante o seu conhecimento? Têm mais é que ir pro olho da rua. Não são capazes de estimular 40% dos seus alunos a aprender? - Rua.


Agora, a Pergunta Mais Frequentemente Formulada: Com que autoridade falas estas coisas? Tu tens pelo menos alguma experiência em sala de aula?

Não, não tenho experiência nenhuma em sala de aula. Também não tenho experiência nenhuma em enfermagem, mas me sinto perfeitamente apto para dizer que um enfermeiro que injeta sopa na veia de uma idosa é um enfermeiro incompetente, pois lhe falta a característica essencial da atenção. Com a mesma autoridade eu repito: se um professor não consegue fazer com que uma fração razoável dos seus alunos se interesse pelo que ele ensina, ele é um professor incompetente, pois lhe falta a característica essencial da paixão.

domingo, 16 de setembro de 2012

Outros cinco fatos interessantes sobre o número pi



5. A soma dos inversos dos quadrados dos inteiros positivos é igual a π²/6

Se você for somando os inversos dos números inteiros, vai obter um resultado cada vez maior:

S1 = 1/1 = 1
S2 = 1/1 + 1/2 = 1,5
S3 = 1/1 + 1/2 + 1/3 = 1,83333
S4 = 1/1 + 1/2 + 1/3 + 1/4 = 2,083333
S5 = 1/1 + 1/2 + 1/3 + 1/4 + 1/5 = 2,283333

Em algum momento essa soma vai ficar tão grande quanto se queira. Por exemplo, ela pode se tornar igual a 1 milhão, bastando que você some um número suficiente de termos. Poderíamos dizer que a soma de infinitos termos desta série é infinita ou, com um pouco mais de rigor, que é uma série divergente. Importante: a série diverge muito lentamente -  para que ela some 100 são necessários uns três milhões de trilhões de trilhões de trilhões de termos. Pronto, agora você já pode entender a piada abaixo, do SpikedMath.com:



“Ora, mas é lógico!”, você clama, “que se a soma fica cada vez maior, em algum momento ela ultrapassa até um número muito grande!” Mas isso não é tão óbvio quanto parece. Se você for somando os quadrados dos números inteiros, a coisa será diferente: o resultado nunca será superior a 1,645, por mais termos que se somem. Diz-se que esta é uma série convergente.

S1 = 1/1² = 1
S2 = 1/1² + 1/2² = 1,25
S3 = 1/1² + 1/2² + 1/3² = 1,3611
S4 = 1/1² + 1/2² + 1/3² + 1/4² = 1,4236
S5 = 1/1² + 1/2² + 1/3² + 1/4² + 1/5² = 1,4636
...
S1000 = 1/1² + 1/2² + 1/3² + 1/4² + 1/5² + ... + 1/1000² = 1,6439
  
   Na verdade o limite da série não é exatamente 1,645 e sim π²/6, e isso é muito legal. O número pi é definido a partir de uma propriedade intrínseca à circunferência, e é realmente impressionante que ele se meta na soma dos quadrados dos números inteiros. Para uma bonita prova deste fato, sem Cálculo, veja essa página da Wikipédia:

4. A probabilidade de que dois números escolhidos ao acaso sejam primos entre si é 6/π²

Diz-se que dois números são primos entre si se não têm nenhum divisor em comum. 64 e 35, por exemplo, são primos entre si, mas 64 e 36 não, pois são ambos divisíveis por 2. Aliás, é claro que dois números pares não podem ser primos entre si.
   Pois bem: escolhendo dois números aleatoriamente, a probabilidade de que eles não tenham nenhum divisor em comum é aproximadamente 60,8 % e precisamente 6/π².
Uma prova heurística disso você encontra aqui

3. Jogando um milhão de moedas, a probabilidade de que metade delas saia coroa é 1/(1000π)

No lançamento de n moedas, a probabilidade de que haja um número igual de caras e coroas é C2n,2/2n. (Não te dá saudades das aulas de Análise Combinatória?). Pode-se mostrar, ou melhor, os mestres podem mostrar, que para n muito grande este número tende a 1/(nπ).

2. Jogar palitinhos em papel listrado é um método para calcular π



    Este método recebe o nome de Agulha de Buffon. Tome um tabuleiro com várias listras paralelas e alguns palitinhos de comprimento igual à metade da distância entre duas linhas consecutivas do papel. A experiência é muito simples: jogue os palitinhos e conte quantos deles tocaram ou cruzaram alguma das linhas. Faça isso zilhões de vezes e depois divida o número de palitinhos lançados pelo número de palitinhos que acertaram alguma das linhas. O resultado é uma aproximação do número pi. Se você tem 10 palitinhos, só teve paciência para repetir os lançamentos 22 vezes e contou que houve 70 cruzamentos, sua aproximação para pi é 220/70 = 3,142.



    Eu resisti à tentação de colocar aqui as provas dos fatos anteriores, mas dessa vez eu preciso escrever mais sobre isso. Digo mais uma vez: você encontra pi quando divide o perímetro de uma circunferência pelo seu diâmetro. Mas onde está a circunferência nessa experiência com palitinhos???
   A posição de um palitinho em relação às linhas do tabuleiro pode ser descrita por duas variáveis: d, a distância do seu centro até a linha mais próxima e θ, o ângulo que ele faz com a horizontal. O palitinho da figura abaixo caiu bem no meio da lacuna entre duas linhas e na direção uma-hora-e-meia. Então nós descrevemos sua posição por d = l/2 e θ = 45º.
    A cada posição possível do palitinho corresponde um ponto no gráfico da direita. O nosso palitinho corresponde ao pontinho verde na figura (aliás, você sabe o que é um pontinho verde no poleiro?... deixa pra lá). A relação entre d e θ para que um palitinho cruze uma das retas é

(l/2) sen θ ≥ d

Isso corresponde aos pontos pintados de vermelho no nosso gráfico. A probabilidade de que um palito cruze uma reta é a chance de que um ponto do gráfico escolhido ao acaso esteja entre os pontos vermelhos (veja que para o nosso palito isto não acontece e o ponto verde não está no meio dos vermelhos). Essa chance é a razão entre a área vermelha do gráfico e a área do retângulo de base 180º e altura l/2. Com um pouco de Cálculo mostra-se que essa razão vale 1/π.
   Note que o pi surge devido ao aparecimento da função seno, que é definida a partir da circunferência. Perceba também que este é um método probabilístico, no sentido de que o número pi não aparece diretamente, mas apenas numa probabilidade. Teve um senhor que disse ter jogado 3550 palitinhos e obtido 1130 cruzamentos, obtendo a melhor aproximação possível com números pequenos. Ninguém acreditou nele, pela mesma maneira que dificilmente alguém acreditaria se você dissesse que em 3550 lançamentos de moedas obteve 1775, exatamente metade, de coroas.

1. Você obteria π numa experiência com bolas de bilhar

E esse é um método determinístico para o cálculo do pi, isto é, sua expansão decimal aparece forçosamente.
    Tome um plano perfeitamente liso e duas bolas de bilhar perfeitamente iguais, esféricas e homogêneas. OK, você nunca conseguiria arranjar esse material, e essa é a desvantagem do método :-). De fato, para que a experiência funcionasse, não poderia haver nenhuma perda de energia ou momento durante as colisões das esferas entre si ou com a borda do plano. Isso nem existe no mundo real...
    Mas enfim. Se você bate em uma das bolas para que ela colida com a outra, haverá três colisões ao todo: uma primeira colisão entre as bolas, uma segunda entre a bola e a borda da mesa e uma terceira entre as bolas novamente. Depois disso a bola em que você bateu vai se afastar da outra para sempre.


    Agora tome uma bola de bilhar com massa 100 vezes maior que a da outra. Haverá 31 colisões ao todo. Já notou o padrão? Se a razão entre as massas das bolas fosse de 10000, o número de colisões seria 314, e assim por diante, a cada multiplicação de 100 na razão entre as massas aparecendo mais um dígito de pi.
   Este fato é tão curioso que poucos são merecedores de desvendá-lo. Não vou indicar nenhuma referência, a menos que me peçam por meio dos comentários.